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Canabidiol e a Luta Contra a Dependência: Uma Nova Esperança

  • Foto do escritor: Dr. Luís Cláudio Azevedo
    Dr. Luís Cláudio Azevedo
  • 24 de ago.
  • 5 min de leitura

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A dependência química, tecnicamente conhecida como Transtorno por Uso de Substâncias (TUS), é uma condição de saúde complexa e crônica. Ela vai muito além da simples "falta de força de vontade". É uma doença que sequestra o cérebro, alterando os circuitos de recompensa, impulsividade e compulsão, levando o indivíduo a um consumo descontrolado e persistente, mesmo diante de consequências devastadoras.

Essa complexidade, somada às altas taxas de recaída, torna o tratamento um desafio. É nesse cenário que o canabidiol (CBD), um composto não psicoativo da planta Cannabis sativa, tem se destacado como uma alternativa terapêutica promissora, oferecendo uma nova via para o alívio dos sintomas de abstinência e a redução da compulsão. Mas antes vamos falar um pouco a respeito do famoso "circuito de recompensa cerebral".


Desvendando o circuito da Recompensa (o Cérebro em Busca do Prazer): Origem do Problema e o Alvo no Processo de Cura.


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Você já se perguntou por que certas atividades, como comer seu doce favorito ou ouvir uma música que adora, nos fazem sentir tão bem? A resposta está no nosso cérebro, em um sistema fascinante conhecido como circuito da recompensa. Ele é como o nosso “GPS interno” do bem-estar, nos motivando a repetir ações que nos dão prazer.

No centro desse sistema está a dopamina, um neurotransmissor que atua como uma espécie de “moeda da felicidade”. Quando fazemos algo que o cérebro considera recompensador, a dopamina é liberada em uma área especial chamada núcleo accumbens (NAc). Esse pico de dopamina não só gera uma sensação de bem-estar, mas também reforça o comportamento, fazendo com que a gente queira repeti-lo.


Como Funciona a "Rodovia" da Dopamina?

Imagine uma rodovia neural por onde o prazer trafega. Esse circuito funciona em etapas:

  1. Ponto de Partida: Tudo começa na área tegmentar ventral (VTA), a “estação de trem” que produz a dopamina.

  2. A Jornada: A dopamina viaja por uma via neural principal chamada via mesolímbica até o núcleo accumbens.

  3. O Destino: Ao chegar ao núcleo accumbens, a dopamina se conecta a receptores em seus neurônios, ativando-os e criando a sensação de prazer.

Essa experiência de prazer é crucial, pois ela age como um “like” cerebral, reforçando o comportamento. É por isso que, quando sentimos uma boa recompensa, o cérebro nos diz: “Faça isso de novo!”


Da Recompensa ao "Craving": A Deformação do Sistema!

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Enquanto o circuito de recompensa nos motiva a buscar coisas saudáveis, como comida e interação social, ele também é o alvo principal de substâncias viciantes. As drogas podem “sequestrar” esse sistema, inundando o núcleo accumbens com uma quantidade artificialmente alta de dopamina. O resultado é uma sensação de prazer intensa e imediata, muito mais forte do que a gerada por recompensas naturais.

Com o uso repetido, o circuito se desregula. O cérebro, acostumado a essa dose massiva de dopamina, muda e para de responder aos estímulos naturais. O que era um comportamento motivado pelo prazer se torna uma necessidade desesperada para aliviar o desconforto da ausência da droga. Isso é o craving, ou a fissura – o desejo intenso e incontrolável que impulsiona o comportamento compulsivo.

O craving não é apenas a busca por prazer; é uma busca para evitar a dor. O ciclo vicioso da dependência se estabelece quando o prazer inicial diminui ou desaparece, mas o desejo compulsivo de usar a substância para se sentir “normal” permanece. É essa transformação que torna a dependência uma condição crônica e de difícil tratamento.

Compreendido esses conceitos, vamos agora falar sobre como a Cannabis Medicinal pode ajudar no Transtorno por Uso de Substâncias / TUS.


A Ciência por Trás da Ação do CBD


Para entender o potencial do CBD, precisamos olhar para o nosso cérebro. O TUS é caracterizado por um "curto-circuito" no sistema de recompensa, onde a dopamina (o neurotransmissor do prazer) é liberada em excesso. Com o tempo, o cérebro se adapta e precisa de doses cada vez maiores da substância para sentir o mesmo efeito, criando um ciclo vicioso de compulsão e tolerância.

O sistema endocanabinoide (SEC), uma rede de sinalização vital no cérebro, está profundamente envolvido nesse processo. A ativação de seus receptores, especialmente o CB1, intensifica a liberação de dopamina e reforça o comportamento de busca pela droga. O CBD age como um "moderador" do SEC, sem causar os efeitos psicotrópicos do THC. Ele modula o CB1 e interage com outros sistemas, como o da serotonina e da dopamina, ajudando a restaurar o equilíbrio e a reduzir a compulsão.

Principais mecanismos neurobiológicos envolvidos nas propriedades ansiolíticas, antipsicóticas e “antiaditivas” do Canabidiol, que têm sido extensivamente investigados devido ao seu potencial terapêutico seguro e potencialmente eficaz no contexto do TUS. Fonte: MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.
Principais mecanismos neurobiológicos envolvidos nas propriedades ansiolíticas, antipsicóticas e “antiaditivas” do Canabidiol, que têm sido extensivamente investigados devido ao seu potencial terapêutico seguro e potencialmente eficaz no contexto do TUS. Fonte: MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.

Evidências Científicas: O que os Estudos Revelam?


Embora as pesquisas ainda estejam em andamento, os resultados obtidos até agora são animadores para o uso do CBD em diferentes tipos de dependência:

  • Dependência de Cannabis (TUC): Estudos mostram que o CBD pode ajudar a quebrar o ciclo da dependência. Uma pesquisa com 800 mg de CBD diários, por exemplo, foi eficaz na redução do consumo de cannabis e no aumento dos dias de abstinência em pacientes com TUC moderado a grave. Isso reforça a ideia de que o CBD, em doses adequadas e por períodos mais longos, pode ser uma ferramenta valiosa no tratamento.

  • Dependência de Nicotina: O CBD demonstrou ser capaz de "reprogramar" o cérebro. Em um estudo, ele reduziu a atenção dos participantes aos sinais visuais associados ao cigarro, como a visão de um maço de cigarros, e diminuiu a sensação de prazer derivada desses estímulos. Embora mais pesquisas sejam necessárias, isso sugere que o CBD pode ajudar a quebrar as associações mentais que levam à fissura.

  • Dependência de Cocaína e Outras Drogas: O CBD tem mostrado ser promissor no alívio de comorbidades e sintomas de recaída. Em pacientes com dependência de cocaína, ele foi associado à redução de marcadores inflamatórios, que são comuns nessas pessoas e agravam seu quadro de saúde.

  • Dependência de Opioides: Os resultados mais promissores foram encontrados no tratamento de dependência de opioides. Em um ensaio clínico, o CBD reduziu significativamente a fissura e a ansiedade causadas pela abstinência. O mais impressionante é que os efeitos terapêuticos se mantiveram por até sete dias após o término do tratamento, mostrando o potencial do CBD em atenuar a necessidade de consumo e a reatividade fisiológica, oferecendo uma nova esperança para a prevenção de recaídas.


Conclusão: O CBD como Ponto de Partida


O CBD surge como uma alternativa relevante no tratamento do TUS, com um perfil de segurança favorável e a capacidade de atuar em múltiplos frentes: combatendo a fissura, aliviando a abstinência e ajudando a reequilibrar o cérebro. As evidências científicas, embora em estágio inicial para algumas substâncias, apontam para um futuro em que o CBD poderá ser uma ferramenta essencial para auxiliar as pessoas a recuperarem o controle de suas vidas, oferecendo um caminho promissor para o tratamento da dependência.


Dr. Luís Cláudio de Azevedo Silva é Médico especialista em Medicina Preventiva, com Pós-graduação em Psiquiatria e Certificação em Medicina Endocanabinóide

 
 
 

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