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O Potencial Terapêutico de Canabinoides e Compostos Canabinoide-Like na Saúde Geriátrica: Uma Análise Abrangente de Eficácia e Segurança

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    Dr. Luís Cláudio Azevedo
  • há 5 dias
  • 6 min de leitura
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Resumo

O envelhecimento populacional global tem impulsionado a busca por tratamentos eficazes e seguros para as comorbidades geriátricas, como dor crônica, distúrbios neuropsiquiátricos, sarcopenia e neurodegeneração. O Sistema Endocanabinoide (SEC) é um regulador homeostático chave que sofre alterações com a idade, emergindo como um alvo promissor. Esta revisão sistemática sintetiza as evidências sobre a segurança, tolerabilidade e eficácia clínica de fitocanabinoides como o Delta9-Tetrahidrocanabinol (THC) e o Canabidiol (CBD), bem como o composto canabinoide-like Palmitoiletanolamida (PEA), na população idosa. Os achados indicam um perfil de segurança aceitável e benefícios clinicamente relevantes no manejo da dor e dos sintomas comportamentais da demência. Além disso, a crescente pesquisa pré-clínica sugere que os canabinoides podem atuar como agentes antienvelhecimento, promovendo a neuroproteção e a saúde muscular, o que justifica a expansão de ensaios clínicos robustos neste grupo demográfico.


1. Introdução

O processo de envelhecimento é caracterizado por um aumento progressivo da inflamação crônica de baixo grau (inflammaging), estresse oxidativo e declínio das funções fisiológicas, resultando em polifarmácia e múltiplas condições crônicas. O Sistema Endocanabinoide (SEC), composto pelos receptores canabinoides (CB1 e CB2), seus ligantes endógenos (endocanabinoides, eCB) e as enzimas responsáveis pela sua síntese e degradação, desempenha um papel crucial na modulação da dor, humor, cognição, neuroinflamação e homeostase metabólica [2, 11].

O SEC é parte integrante do sistema de defesa homeostática do organismo, regulando a atividade mitocondrial, atuando como antioxidante e modulando a resposta glial, o que o torna um alvo estratégico contra o envelhecimento cerebral e sistêmico [11, 4]. Dada a alta prevalência de condições sensíveis aos canabinoides na população idosa (65 anos), o uso de Cannabis medicinal tem crescido exponencialmente, tornando essencial uma avaliação rigorosa do seu perfil risco-benefício [7].


2. Mecanismos de Ação e Compostos Associados

A intervenção canabinoide na população geriátrica foca principalmente na modulação dos receptores CB1 e CB2 ou em vias canabinoide-like.

2.1. Fitocanabinoides (THC e CBD)

  • Delta9-Tetrahidrocanabinol (THC): Principal composto psicoativo, é um agonista parcial dos receptores CB1 e CB2. Seu efeito terapêutico em idosos visa principalmente a analgesia, estimulação do apetite e sedação.

  • Canabidiol (CBD): Não psicoativo, atua como um modulador alostérico negativo do CB1 e tem afinidade por outros receptores (ex: TRPV1). É amplamente reconhecido por suas propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes, ansiolíticas e neuroprotetoras [1].

2.2. Compostos Canabinoide-Like (PEA)

  • Palmitoiletanolamida (PEA): É um mediador lipídico endógeno (NAE), que atua principalmente ativando o Receptor Ativado por Proliferadores de Peroxissomas alpha (PPAR alpha e modula a sinalização do CB2 e GPR55 [5]. O PEA é um alvo promissor na geriatria, pois sua ativação do PPAR alpha resulta na redução da transcrição de genes pró-inflamatórios e atua como uma barreira anti-inflamatória e neuroprotetora [5, 4].


3. Evidências Clínicas e Benefícios Observados

As indicações terapêuticas para canabinoides na população idosa encontram respaldo em estudos clínicos e observacionais, com focos principais na dor, sintomas neuropsiquiátricos e saúde musculoesquelética.

3.1. Dor Crônica

Condição

Canabinoide/Substância

Benefícios Observados

Dor Crônica (Geral)

Cannabis Medicinal

Redução clinicamente significativa da dor média e pior dor. Redução no uso de opioides e outros medicamentos para dor [7, 3]. Principal indicação em pacientes 65 anos (85% das autorizações) [3].

Dor Neuropática

Nabilona (análogo do THC)

Melhora na dor neuropática diabética e na dor associada à Esclerose Múltipla [7].


3.2. Distúrbios Neuropsiquiátricos e Demência

Condição

Canabinoide/Substância

Benefícios Observados

Agitação Noturna e Comportamentos Anormais

Dronabinol (THC)

Redução significativa da atividade motora noturna em pacientes com demência grave [6]. Melhorias nos subescores do Neuropsychiatric Inventory (NPI) para agitação, comportamento motor aberrante e distúrbios noturnos [6].

Distúrbios do Sono

Cannabis Medicinal THC

Melhora significativa na sonolência e fadiga [3]. O THC (agonista CB1) demonstrou efeitos positivos na indução do sono.


3.3. Sarcopenia e Saúde Muscular

A sarcopenia (perda de massa e força muscular relacionada à idade) é uma condição crítica no envelhecimento.

  • Modulação Endógena: A expressão do receptor CB1 é significativamente mais alta no músculo esquelético de homens idosos  (65 anos) em comparação com homens jovens [8].

  • Exercício e Receptores: O exercício de resistência tende a aumentar a expressão dos receptores CB1 e CB2 em adultos mais velhos. O aumento na expressão de CB2 após o exercício correlaciona-se positivamente com a regulação de mecanismos cruciais de plasticidade muscular, como o catabolismo (FOXO3a) e a capacidade regenerativa (P7, MyoD) [8].

  • Abordagem Terapêutica: O desenvolvimento de nanopartículas lipídicas carregadas com o canabinoide-likePEA demonstrou efeitos anti-inflamatórios em células musculares (in vitro), sugerindo um potencial terapêutico para a sarcopenia ao modular a inflamação e o catabolismo [10].


3.4. Neuroproteção e Antienvelhecimento

Mecanismo/Modelo

Canabinoide/Substância

Benefícios Observados

Longevidade e Autofagia

CBD

Estende a vida útil (lifespan e healthspan) e resgata declínios fisiológicos associados à idade no modelo C. elegans [13, 12]. Promove o fluxo autofágico em neurônios (um mecanismo de limpeza celular que combate o envelhecimento) através da via SIRT1 e genes autofágicos (bec-1,vps-34, sqst-1) [12].

Neuroinflammaging

PEA

Ativa o PPAR alpha, reduzindo marcadores de estresse oxidativo (ROS) e óxido nítrico (NO) em modelos de envelhecimento neuronal. Combinação de PEA com antioxidantes (LA,vitD3) demonstrou maior eficácia na restauração da função cerebral e retardamento do envelhecimento [5, 4].

Cognição

THC (doses ultrabaixas)

Em modelos pré-clínicos, o THC em doses ultrabaixas pode melhorar a função cognitiva em animais muito velhos, sugerindo uma modulação dose-dependente do SEC no envelhecimento [11].


4. Perfil de Segurança e Tolerabilidade


4.1. Segurança na População Geriátrica (Resposta: Canabinoides são seguros em idosos?)

Os canabinoides são geralmente considerados seguros e bem tolerados em idosos, com eventos adversos (AEs) tipicamente leves e reversíveis [1, 7].

Categoria

Substância

Taxa de Incidência (TI) e Observações Chave

AEs Comuns

Cannabis Medicinal

Mais frequentes: tontura (principal AE em idosos), náusea, boca seca, sonolência/sedação, e fadiga [3, 7].

AEs Graves (SAEs)

CBD

TI negligenciável (TI=0) para SAEs relacionados ao tratamento em metanálise de idosos (50 anos) [1].

Desistências (Todas as Causas)

CBD

TI muito baixa. O CBD não foi associado a risco de síndrome de abstinência relacionada ao tratamento [1].

THC:CBD (Produtos Combinados)

THC:CBD

Apresentou baixo risco de AEs gerais, mas relatou risco de SAEs e desistências gerais e relacionadas ao tratamento (embora em taxas baixas), o que sugere que a inclusão do THC exige maior monitoramento [1].


4.2. Preocupações Farmacológicas

A principal preocupação de segurança reside nas interações medicamentosas. O CBD é um inibidor das isoformas do citocromo P450 (CYP), podendo aumentar as concentrações séricas de outros medicamentos com metabolismo via CYP450, como a Varfarina (potencializando o risco de sangramento) e certos anticonvulsivantes [7]. A titulação lenta e o monitoramento rigoroso são essenciais para mitigar estes riscos.


5. Conclusão

A evidência revisada sustenta o papel dos canabinoides na geriatria, tanto no alívio sintomático quanto no potencial combate aos processos subjacentes ao envelhecimento.

O conteúdo é suficiente para responder às seguintes perguntas:

Pergunta

Resposta Sintetizada

Canabinoides são seguros em idosos?

Sim, de forma geral. São bem tolerados, com AEs tipicamente leves e reversíveis (principalmente tontura). O CBD isolado demonstra um perfil de segurança altamente favorável e risco negligenciável de SAEs em idosos. É crucial a atenção às interações medicamentosas (via CYP450), especialmente com CBD e produtos que contenham THC.

Quais condições clínicas encontram respaldo para tratamento com canabinoides?

1. Dor Crônica (incluindo dor neuropática). 2. Distúrbios Neuropsiquiátricos da Demência (agitação noturna, comportamento motor aberrante, distúrbios do sono). 3. Distúrbios do Sono/Insônia. 4. Potencialmente Sarcopenia (via modulação do SEC e PEA no músculo). 5. Neuroproteção e Antienvelhecimento (em modelos pré-clínicos, via CBD autofagia e PEA).

Quais os principais benefícios observados?

1. Analgesia significativa (com potencial para redução de opioides); 2. Melhora do Comportamento (redução da agitação noturna e de comportamentos motores anormais na demência); 3. Melhora do Sono; e 4. Ação Antienvelhecimento (via ativação da autofagia pelo CBD e supressão da neuroinflamação pela PEA).


6. Referências Bibliográficas

  1. Pisani, S. et al. Systematic review and meta-analysis of safety and tolerability of cannabinoid-based medicines in older adults. Geriatrics, 2024 (Artigo gerres2.pdf).

  2. Paradisi, A. et al. The Endocannabinoid System in Ageing: A New Target for Drug Development. Curr Drug Targets, 7, 2006 (Artigo CDT2006ECSageing.pdf).

  3. MacNair, L. et al. Medical cannabis authorization patterns, safety, and associated effects in older adults. J Cannabis Res, 4:50, 2022 (Artigo 42238_2022_Article_158.pdf).

  4. García, S. et al. Melatonin and cannabinoids: mitochondrial-targeted molecules that may reduce inflammaging in neurodegenerative diseases. Histol Histopathol, 35: 789-800, 2020 (Artigo Garcia-35-789-800-2020.pdf).

  5. Morsanuto, V. et al. A New Palmitoylethanolamide Form Combined with Antioxidant Molecules to Improve Its Effectivess on Neuronal Aging. Brain Sci., 10, 457, 2020 (Artigo brainsci-10-00457.pdf).

  6. Walther, S. et al. Delta-9-tetrahydrocannabinol for nighttime agitation in severe dementia. Psychopharmacology (Berl), 185: 524-528, 2006 (Artigo 213_2006_Article_343.pdf).

  7. Beedham, W. et al. Cannabinoids in the Older Person: A Literature Review. Geriatrics, 5, 2, 2020 (Artigo geriatrics-05-00002.pdf).

  8. Dalle, S. et al. Cannabinoid receptor 1 expression is higher in muscle of old vs. young males, and increases upon resistance exercise in older adults. Sci Rep, 11:18349, 2021 (Artigo 41598_2021_Article_97859.pdf).

  9. CADTH RAPID RESPONSE REPORT: SUMMARY WITH CRITICAL APPRAISAL: Medical Cannabis for the Treatment of Dementia: A Review of Clinical Effectiveness and Guidelines. CADTH, July 17, 2019 (Artigo Bookshelf_NBK546328.pdf).

  10. Maretti, E. et al. Design, Characterization, and In Vitro Assays on Muscle Cells of Endocannabinoid-like Molecule Loaded Lipid Nanoparticles for a Therapeutic Anti-Inflammatory Approach to Sarcopenia. Pharmaceutics 14, 648, 2022 (Artigo pharmaceutics-14-00648.pdf).

  11. Bilkei-Gorzo, A. The endocannabinoid system in normal and pathological brain ageing. Phil. Trans. R. Soc. B, 367, 3326-3341, 2012 (Artigo rstb20110388.pdf).

  12. Wang, Z. et al. Cannabidiol induces autophagy and improves neuronal health associated with SIRT1 mediated longevity. GeroScience, 44:1505–1524, 2022 (Artigo s11357-022-00559-7.pdf).

  13. Wang, Z. et al. Cannabinoids and healthy ageing: the potential for extending healthspan and lifespan in preclinical models with an emphasis on Caenorhabditis elegans. GeroScience, 46:5643–5661, 2024 (Artigo s11357-024-01162-8 (1).pdf).


Dr. Luís Cláudio de Azevedo Silva é Médico especialista em Medicina Preventiva, com Pós-graduação em Psiquiatria e Cerificação em Medicina Endocanabinóide

 

 
 
 

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