Canabidiol e Clobazam em Epilepsias Refratárias: Uma Análise Abrangente da Segurança, Interações Farmacológicas e Resposta Clínica
- Dr. Luís Cláudio Azevedo

- 1 de nov.
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Título Abreviado: CBD e CLOB: Segurança, Interações e Eficácia Clínica
Autor: Luís Cláudio de Azevedo Silva
Data: Outubro de 2025
Resumo (Abstract)
A coadministração de canabidiol (CBD), em sua formulação purificada (Epidiolex®/Epidyolex®), e clobazam (CLB) é um pilar no tratamento adjuvante de epilepsias refratárias como a Síndrome de Lennox-Gastaut (SLG) e a Síndrome de Dravet (SD). Esta revisão, baseada em meta-análises de quatro ensaios clínicos randomizados de Fase 3 e em investigações pré-clínicas, confirma que o CBD é eficaz na redução da frequência de crises, independentemente do uso concomitante de CLB. Contudo, a segurança dessa combinação é modulada pela interação farmacocinética (inibição do CYP2C19 pelo CBD), que eleva significativamente os níveis do metabólito ativo do CLB (N-desmetilclobazam ou N-CLB). O manejo clínico, incluindo a consideração de ajuste de dose do CLB, é essencial para mitigar eventos adversos, primariamente a sedação/sonolência, observados mais frequentemente nesta coadministração. As doses de CBD estudadas foram de 10 e 20 mg/kg/dia.
Palavras-chave: Canabidiol; Clobazam; Epilepsia Refratária; Interação Medicamentosa; CYP2C19.
1. Introdução
O canabidiol (CBD) tem demonstrado ser um Fármaco Antiepiléptico (FAE) eficaz para pacientes com epilepsias de difícil controle, como SLG e SD. Em ensaios clínicos, o CLB, um benzodiazepínico amplamente utilizado nestas síndromes, foi o FAE concomitante mais comum, sendo utilizado por 49% dos pacientes com SLG e 64% dos pacientes com SD.
A interação entre CBD e CLB tem gerado especulações de que a eficácia do CBD poderia ser meramente um reflexo do aumento da exposição ao CLB e ao seu metabólito ativo, N-CLB, devido à interação farmacocinética. Esta análise consolida as evidências pré-clínicas e clínicas refutando essa hipótese, e estabelece a segurança e as diretrizes de manejo para a coadministração.
2. Interação Farmacológica: Farmacocinâmica e Farmacodinâmica
2.1. Interação Farmacocinética (PK) – O Fator CYP2C19
A principal interação é de natureza PK e previsível. O CBD inibe potentemente a atividade da isoenzima Citocromo P450 2C19 (CYP2C19).
O CLB é metabolizado pelo CYP3A4 em N-CLB, que é o metabólito ativo e principal responsável pelo efeito antiepiléptico.
O N-CLB é, por sua vez, inativado pelo CYP2C19.
A inibição do CYP2C19 pelo CBD resulta em um aumento significativo (aproximadamente 3 a 4 vezes) nos níveis plasmáticos do N-CLB (nor-desmetilclobazam).
Este aumento é maximizado com doses de CBD tão baixas quanto 10 mg/kg/dia.
Em estudos pré-clínicos, o CBD também inibiu o metabolismo do CLB mediado pelo CYP3A4 e aumentou a exposição geral (AUC) de CLB e N-CLB no plasma e no cérebro de camundongos.
Curiosamente, o CLB também interage com o CBD, aumentando o metabólito ativo do CBD, 7-hidroxi-cannabidiol (7-OH-CBD), em cerca de 50%.
A Tabela 1, baseada em dados pré-clínicos (modelo murino) do estudo de Anderson et al. (2019), quantifica o impacto direto da coadministração de CBD na exposição ao CLB e ao N-CLB, demonstrando um aumento significativo na meia-vida e na exposição total (AUC∞).
Tabela 1: Impacto Farmacocinético da Coadministração de CBD no Clobazam e N-CLB (Plasma)
A tabela ilustra o aumento da meia-vida e da exposição total (AUC∞) do Clobazam e do seu metabólito ativo (N-CLB) quando coadministrados com CBD. Dados adaptados de estudo pré-clínico.
2.2. Evidência Pré-clínica de Interação Farmacodinâmica (PD)
Estudos pré-clínicos sugerem que a eficácia aumentada da combinação não é apenas farmacocinética, mas também farmacodinâmica.
Receptores GABAA: O CBD, assim como o CLB, é um modulador alostérico positivo (PAM) dos receptores GABAA (que aumentam a inibição neuronal).
Ação Cooperativa: A coaplicação de CBD e CLB ou de CBD e N-CLB em oócitos de Xenopus potencializou as correntes inibitórias (aumentou a ativação do receptor) em maior grau do que qualquer composto isoladamente.
Independência de Dose: Em um modelo murino de Síndrome de Dravet, a maior eficácia anticonvulsivante da combinação foi observada apenas quando foi utilizada uma dose de CBD com atividade anticonvulsivante intrínseca. Uma dose sub-anticonvulsivante de CBD não potencializou os efeitos do CLB, apesar de ter aumentado as concentrações plasmáticas de CLB (interação PK).
3. Eficácia Clínica: Independência do CLB
A meta-análise de Devinsky et al. (2020), combinando dados de quatro RCTs em SLG e SD, forneceu evidências estatísticas de que o CBD é eficaz com e sem a coadministração de CLB.
Redução da Frequência de Crises: A razão de tratamento (CBD/placebo) para a redução média na frequência de crises foi de 0,59 (IC 95%: 0,52; 0,68) com CLB e 0,85 (IC 95%: 0,73; 0,98) sem CLB.
Taxa de Resposta ≥ 50%: A razão de chances (Odds Ratio) para atingir uma redução de ≥ 50% na frequência de crises foi de 2,51 (IC 95%: 1,69; 3,71) com CLB e 2,40 (IC 95%: 1,38; 4,16) sem CLB.
A similaridade nas razões de chances de resposta (OR ≈ 2,5) em ambos os subgrupos sugere um efeito anticonvulsivante do CBD independente da presença de CLB. O efeito maior na redução percentual de crises no subgrupo "com CLB" pode indicar um benefício sinérgico ou aditivo da combinação.

4. Segurança e Recomendações de Dose
4.1. Perfil de Segurança e Eventos Adversos
O perfil de segurança geral do CBD foi mais favorável sem o uso concomitante de CLB. Eventos adversos (EAs), EAs graves e EAs que levaram à descontinuação foram mais comuns em pacientes em uso de CBD versus placebo.
Sonolência/Sedação: Foram os EAs de interesse mais comuns e foram significativamente mais frequentes em pacientes que coadministraram CBD e CLB. A incidência de EAs relacionados à sonolência foi aproximadamente duas vezes maior nos grupos CBD + CLB em comparação com placebo + CLB (por exemplo, 48,1% e 57,8% nas doses de 10 e 20 mg/kg/dia de CBD, respectivamente, versus 20,8% no placebo com CLB).
Elevação de Transaminases: Os aumentos nas enzimas hepáticas AST e ALT foram as causas mais comuns de descontinuação do tratamento. A maioria dos casos de elevação de AST/ALT ocorreu em pacientes que também estavam tomando Valproato, embora também tenha sido relatado em pacientes em uso de CLB.
Outros EAs: Rash, pneumonia e agressão foram relatados com mais frequência em pacientes que receberam CBD + CLB.
4.2. Doses de Canabidiol (CBD) Recomendadas
As doses de CBD purificado (Epidiolex®/Epidyolex®) utilizadas e consideradas eficazes nos ensaios clínicos foram:
Dose de Manutenção Inicial Recomendada: 10 mg/kg/dia.
Dose Máxima: 20 mg/kg/dia.
4.3. Cuidados de Manejo Clínico (Ajuste de Dose)
A interação entre CBD e CLB não é uma contraindicação, mas exige manejo ativo.
Manejo de Sedação: Recomenda-se a redução da dose de CLB para pacientes que apresentarem sonolência ou sedação após a coadministração com CBD. Nos ensaios, 20,4% dos pacientes com CBD tiveram ajustes de dose de CLB.
Manejo Hepático: Se ocorrerem aumentos clinicamente significativos nas transaminases, a dose do CBD e/ou do Valproato (ou CLB) deve ser reduzida ou o medicamento descontinuado até que os níveis retornem ao normal.
Referências Bibliográficas
Anderson, L. L., Absalom, N. L., Abelev, S. V., et al. (2019). Coadministered cannabidiol and clobazam: Preclinical evidence for both pharmacodynamic and pharmacokinetic interactions. Epilepsia, 60(11), 2224–2234.
Devinsky, O., Thiele, E. A., Wright, S., et al. (2020). Cannabidiol efficacy independent of clobazam: Meta-analysis of four randomized controlled trials. Acta Neurologica Scandinavica, 142(6), 531–540.
Gunning, B., Mazurkiewicz-Bełdzińska, M., Chin, R. F. M., et al. (2021). Cannabidiol in conjunction with clobazam: analysis of four randomized controlled trials. Acta Neurologica Scandinavica, 143(2), 154–163.
Dr. Luís Cláudio de Azevedo Silva é Médico especialista em Medicina Preventiva, com Pós-graduação em Psiquiatria e Cerificação em Medicina Endocanabinóide




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