Desvendando a Esclerose Múltipla: Uma Jornada pelo Sistema Nervoso

A Esclerose Múltipla (EM) pode parecer um nome complicado, mas imagine-a como um "curto-circuito" no cérebro. É uma doença autoimune e neurodegenerativa, ou seja, o próprio sistema de defesa do corpo (o sistema imunológico) ataca, por engano, as células saudáveis do sistema nervoso central.

O principal alvo desse ataque é a mielina, uma capa protetora que envolve os nervos, como se fosse o isolamento de um fio elétrico. Quando a mielina é danificada, a comunicação entre o cérebro e o corpo falha, levando a sintomas como espasticidade (rigidez muscular), fadiga extrema, dores, problemas de visão e de coordenação, entre outros.

A Cannabis Medicinal: Uma Aliada na Batalha Contra os Sintomas

Enquanto os tratamentos convencionais, como as terapias imunomoduladoras, buscam controlar o avanço da doença, o alívio dos sintomas diários é crucial para a qualidade de vida. É aqui que a cannabis medicinal entra em cena, mostrando-se uma opção promissora para pacientes que não encontram alívio suficiente em outras terapias.

O segredo está no Sistema Endocanabinoide (SEC), uma rede de comunicação interna do nosso corpo, repleta de receptores (CB1 e CB2) que regulam funções como a dor, a inflamação e o movimento. Estudos mostram que o SEC está intimamente ligado aos mecanismos da EM, e os canabinoides – como o canabidiol (CBD) e o THC – conseguem interagir com esse sistema.

Principais ações terapêuticas dos derivados canabinoides que retardam a progressão da EM. Fonte: MONTAGNER, Patrícia; DE SALAS-QUIROGA, Adán. Tratado de Medicina Endocanabinoide.1. ed. WeCann Endocannabinoid Global Academy, 2023.

Evidências Científicas: O que os Estudos nos Dizem?

Décadas de pesquisa, com mais de 100 estudos conduzidos, revelam os benefícios dos canabinoides na EM. Alguns destaques incluem:

• Alívio da Espasticidade: Um dos sintomas mais incapacitantes da EM, a espasticidade é o alvo principal da terapia com cannabis. O nabiximols, um spray bucal que combina THC e CBD na proporção 1:1, foi aprovado em vários países (incluindo o Brasil) como tratamento. Estudos clínicos, como um ensaio de fase III, demonstraram que o nabiximols pode reduzir a espasticidade em até 51%.

• Controle da Dor e do Sono: Um estudo com mais de 10.000 pacientes apresentou uma redução de mais de 30% na intensidade da dor após seis meses de tratamento com cannabis medicinal. O estudo também mostrou uma melhoria significativa nos distúrbios do sono (89,1%) e na fadiga (55%).

• Combate à Inflamação e Neuroproteção: Pesquisas pré-clínicas e clínicas sugerem que os canabinoides agem em um nível mais profundo. Eles possuem efeitos anti-inflamatórios, reduzindo a infiltração de células imunológicas no sistema nervoso. Além disso, o CBD em particular tem propriedades antioxidantes e neuroprotetoras, protegendo os neurônios contra danos e podendo, inclusive, auxiliar no processo de remielinização.

A eficácia do nabiximols vai além da espasticidade muscular, alcançando a disfunção da bexiga urinária, um problema comum e constrangedor para muitos pacientes. Um estudo mostrou que o nabiximols reduziu em 35% os sintomas urinários, como urgência e frequência, melhorando a hiperatividade da bexiga.

Conclusão: Um Futuro Promissor

A cannabis medicinal representa uma esperança real e um avanço notável no tratamento da Esclerose Múltipla. Enquanto as terapias convencionais se concentram em modular a doença, os canabinoides oferecem um alívio complementar e significativo dos sintomas, melhorando a qualidade de vida de forma holística. Embora a pesquisa continue a evoluir, as evidências já disponíveis validam a cannabis como uma opção segura e eficaz para o manejo da EM.

Dr. Luís Cláudio de Azevedo Silva é Médico especialista em Medicina Preventiva, com Pós-graduação em Psiquiatria e Certificação em Medicina Endocanabinóide